quinta-feira, 25 de agosto de 2011

Entrevista exclusiva com o grupo Simples Rap´Ortagem.

O Blog “Olha Onde a Favela Chegou” trás essa semana um bate- papo com os parceiros Preto Du e Jorge Hilton, da Banda Simples Rap´ortagem, grupo de rap mais antigo em atividade no cenário soteropolitano. Nesse bate-papo eles falam de política, Hip Hop, cotas e muito mais. Confiram ai às idéias dos parceiros do grupo Simples Rap… boa leitura!!!



Olha Onde a Favela Chegou- Salve Jorge, salve Preto Du! Tudo certo com vocês? Fale-nos um pouco sobre vocês, e de como se envolveram com a Cultura Hip Hop?  

Preto Du-  Salve Paulo, eu sou 10 anos mais novo que Jorge e evidentemente me envolvi com o Hip Hop há menos tempo. Comecei a curtir rap ainda criança ouvindo Gabriel o Pensador, mas na adolescência que vieram as inquietações e busquei alguma expressão artística que representasse bem essas inquietações. Nessa busca conheci os Racionais Mc’ s mais a fundo, o MV Bill, Sabotage... Fiquei apaixonado. Comecei a compor e a cada composição eu tinha mais certeza que era isso que eu queria pra minha vida. Em 2005 eu conheci a Simples Rap’ortagem através de um professor que me apresentou a música “Quadro Negro”. Essa música me ajudou a entender várias questões essenciais até para a formação de meu nome artístico. Conheci Jorge em um show da Simples e aos poucos a amizade foi crescendo... Em 2006 tive contato com a Rede Aiyê e pude conhecer o lado mais militante do Hip Hop. De lá pra cá tudo foi acontecendo naturalmente. Em dezembro de 2009 eu entrei pra Simples Rap’ortagem onde pretendo fazer história junto com meu parceiro Jorge Hilton.

Jorge Minha história é longa por isso que fiz um livro (risos), quem quiser mesmo saber terá a oportunidade de ler quando for lançado.

Olha Onde a Favela Chegou- A Simples Rap´ortagem sempre se destacou pelo experimentalismo e pela inovação. Como vocês vêem o atual momento do rap brasileiro, no que diz respeito a produções?

Preto Du- Quando eu comparo os novos artistas de rap com os artistas da época que eu conheci o Hip Hop eu percebo sim uma evolução musical tanto nas produções de base quanto na produção poética. Isso é natural. A evolução é natural. Percebo também que em algumas partes do Brasil o rap vem se profissionalizando mais. É notável também a diferença quando você compara o primeiro cd de Racionais com o ultimo por exemplo, ou o de MV Bill e outros... As produções estão cada vez melhores. Mas ainda vejo muitos grupos de rap que não se preocupam em se profissionalizarem e nem entendem o rap como uma arte que além de muito consciente pode ser bela também.

Jorge-  Em questão de produção musical ainda vejo muita mesmice e pouca identidade, muita rima e pouca poesia. Porém a preocupação com a qualidade tem crescido. Acredito que o destaque nesse momento do rap brasileiro está menos na produção musical e mais numa mudança de postura dos artistas, se tornando mais aberto a ocupar espaços que antes tinham resistência. Uma barreira foi quebrada e outras se quebram com os que dão a cara pra bater.

Olha Onde a Favela Chegou- Ao longo desses mais de 15 anos a banda passou por algumas formações, quem já passou pela Simples Rap até o grupo chegar na formação atual?

Jorge-  Que pergunta malvada é essa Paulo? (risos) Muita gente, acredite. Durante muito tempo tocamos com banda, então diferentes músicos das mais variadas influências fizeram parte. Só de mulheres vocalistas foram mais de dez. É bastante gente mesmo, citar nomes aqui é correr provável erro de cometer injustiça esquecendo de alguém.

Olha Onde a Favela Chegou- É cada vez mais comum agregar valores regionais ao rap. Vocês acham que é por ai mesmo o caminho para criar-se uma identidade forte no Rap baiano?

Preto Du- Acho que cada artista deve ser livre para se expressar da maneira que gosta, contanto que isso não seja nocivo a nenhum seguimento. Portanto se um Mc ou um Dj de rap não tem vontade em inserir elementos regionais no seu rap, penso que o melhor mesmo seria então não inserir. Mas por outro lado concordo que usarmos nossas gírias, nossas raízes, falar de nossa terra do nosso jeito fortalece e muito nossa identidade sim. Nós conhecemos quase todos os bairros, gírias e costumes da periferia de São Paulo de tanto ouvir nas letras de rap. Porque não falar da gente também? Mas eu vejo um problema muito maior no rap baiano... A desunião. Vejo muita fofoca, muito mc falando mal do outro, muita gente criticando o trabalho alheio e isso enfraquece demais a gente. Quando fomos gravar em São Paulo, percebi que lá apesar de existir também essas tretas internas, a união é muito forte e talvez seja esse o segredo para o destaque do rap de lá. Na história mundial não vejo nenhum seguimento que tenha obtido sucesso sem união. Seja no campo da política, no campo artístico, tudo... 


Jorge à Cada qual deve ser criativo para firmar e fortalecer uma identidade de Rap baiano, porém com características próprias. Os caminhos são vários, a valorização dos aspectos locais e regionais considero ser uma premissa. Há todo um universo a ser explorado.

Olha Onde a Favela Chegou- Hoje temos uma infinidade de estilos e de temáticas sendo abordadas nas letras de rap. Vocês acham que aquele rap politizado e contestador estão perdendo espaço dentro da cena?

Preto Du-  A música é imortal. Tudo que o Mano Brown falou está gravado e eternizado e quem quiser ouvir daqui a 50 anos vai ouvir. Não acho que o rap politizado e contestador está perdendo espaço, acho sim que o rap comercial está ganhando espaço. Mas na minha opinião tem espaço pra todo mundo. Fico feliz por perceber que mesmo nos rap’s mais comerciais em geral são escritos com muita inteligência e poesia. O que percebo também é que a maneira de contestar vem mudando e isso na minha opinião faz parte daquela evolução musical que falamos ali em cima.

Jorge- Vejo isso como um movimento cíclico, hoje se ganha, amanhã se perde, depois se renova e se ganha espaço novamente. A história humana é feita disso, é o que se conhece como dialética. Nesse exato momento vejo o Rap politizado voltando a ganhar espaço. Porém para haver uma renovação e voltar a ter destaque é preciso marcar um diferencial. Alguns poucos conseguem isso.

Olha Onde a Favela Chegou-  Conte-nos um pouco da experiência de vocês com o Afrika Bambaataa durante a passagem dele aqui em Salvador. Quais foram às impressões que vocês tiveram do Bambaataa ao conhecê-lo pessoalmente?

Preto Du- Engraçado que por conta do Horário o Dj Afrika Bambaataa teve que agilizar os equipamentos dele no palco enquanto nós ainda estávamos lá. E olhar pra trás e ver o Bambaataa ali em pé nos toca discos foi muito louco, muito emocionante. Lembro que em cima do palco mesmo eu me lembrei de quando comecei a ouvir rap, quando comecei a compor, quando comecei a pesquisar a cultura Hip Hop e naquele momento eu estava com um dos fundadores do hip hop no mesmo palco que eu. Teria sido melhor se eu soubesse falar inglês pra poder trocar uma idéia com ele. (Risos...) 


Jorge-  Bambaataa é um cara super simples e simpático. Fui buscá-lo no aeroporto, pegamos a paralela engarrafada e fomos direto para o local do evento. Foi muito corrido, pouco tempo pra se conversar, pois tinham vários detalhes de organização pra resolver com a produção dele. Pudemos conhecer melhor um ao outro no bate-papo com a platéia. No camarim faltou o inglês da gente pra poder desenrolar a conversar, mas com ajuda da produção peguei um pouco.

Olha Onde a Favela Chegou- Existe ainda no Hip Hop uma certa confusão entre Cultura e Movimento, do ponto de vista de vocês o que é um e o que é o outro?

Preto Du- Principalmente pra quem é leigo em Hip Hop existe essa confusão sim. Você pode praticar a cultura Hip Hop sem fazer parte do movimento. Ou seja, você pode só cantar rap, só manobrar discos, só dançar o breaking, só graffitar sem precisar necessariamente estar engajado no movimento. Entendo o movimento como algo mais político, algo que estrutura mais o hip hop e que atua diretamente na sociedade com projetos e ações além da expressão artística. Más ainda sim acho a expressão artística é o melhor método para transformações sociais tendo em vista que a arte forma seres pensantes e mais sensíveis.

Jorge-  Sobre isso, transcrevo um trecho do meu livro: “Fui analisando diferentes questões em torno do hip-hop local, nacional e mundial, e senti a necessidade de desenvolver essa diferença conceitualmente. Sendo assim, consegui esboçar um quadro que pudesse deixar nítida a relação e distinção entre Cultura Hip-Hop e Movimento Hip-Hop, encontrando resposta para uma série de questões polêmicas:
A Cultura está no Movimento, mas nem sempre o Movimento está na Cultura;


Na Cultura se tem artistas, no Movimento se tem arte-educadores;


A Cultura trabalha o lado profissional, o Movimento trabalha o lado militante;


A Cultura é global (mundial), o Movimento é local (regionalizado);


A Cultura é passível de se tornar moda, o Movimento jamais;


Objetivo da Cultura: divulgar o Hip-Hop. Objetivo do Movimento: através do Hip-Hop transformar a realidade;


A Cultura é instrumento do Movimento, o Movimento é filho da Cultura;


Na Cultura se tem 4 elementos: rap, dança de rua, graffiti e dj. No Movimento se tem esses 4, e mais um quinto elemento: a militância (no Movimento todos são militantes);


Na Cultura a “batalha” é entre os artistas, no Movimento a batalha é contra as injustiças;


A Cultura mobiliza; O Movimento articula;


A Cultura sem Movimento é caolha e o Movimento sem Cultura é aleijado.


Baseado nesse raciocínio, costumo dizer que, em escala mundial considero o DJ Kool Herc, o fundador da Cultura Hip-Hop e o DJ Afrika Bambaataa o fundador do Movimento Hip-Hop organizado”. 


Olha Onde a Favela Chegou- Jorge, você foi membro da Posse Ori e posteriormente da Rede Aiyê, que foram dois importantes núcleos de Hip Hop aqui em Salvador e região metropolitana. Qual foi o aprendizado que ficou pra você dessas duas experiências?

Jorge-  Muitos aprendizados. Foi na Posse Orí que despertei interesse em me aprofundar na história do hip-hop mundial e nas questões de negritude. Foi onde aprendi a ter cuidado de não me deixar manipular pela soberba de alguns mais velhos. Aprendi que inveja é uma praga muito mais freqüente do que imaginava e que querer agradar a todos é um ótimo atalho para o fracasso. Na Rede Aiyê Hip-Hop saboreei o gostinho raro de vivenciar um modelo maravilhoso de articulação. Ao invés de um líder, várias lideranças espontâneas decidindo e construindo coletivamente seu rumo. Aprendi que por mais democrático que seja sempre uns suarão mais que outros. Aprendi que em grupo organizado é possível chegar mais longe, por isso que conquistamos a primeira política pública ligada ao hip-hop, que foi o projeto Salvador Graffita, além do Programa Evolução Hip-Hop na rádio pública da Bahia. A questão é, o preço que se paga as vezes é muito alto, pois você investe anos em algo que trará benefício direto pro seu irmão e não pra você.

Olha Onde a Favela Chegou- Jorge, lembro que conheci você ainda na Posse Ori, não só você, mais também vários outros militantes que hoje podemos chamar de “veteranos” do Hip Hop soteropolitano. Lembro também de debatermos vários assuntos interessantes nas reuniões. Em sua opinião, porque existe uma escassez tão grande de núcleos de Hip Hop nos bairros atualmente, sendo que hoje temos muito mais adeptos ao Hip Hop?

Jorge-  Discuto um pouco esse tema em meu livro. Acredito que por vários motivos. O Movimento se iniciou e se desenvolveu com esse referencial ativista. Era algo novo pra muitos e quem se aproximava pela Cultura acabava conhecendo a militância da Posse Orí, sentindo vontade de fazer aquilo em sua área também. E muitos fizeram. Contabilizo em meu livro 19 Posses que surgiram em diferentes bairros. O problema é a dificuldade de sustentar essa militância numa sociedade capitalista, onde não há apoio e você tem que resolver a equação matemática que envolve a vontade de ajudar o outro e a necessidade emergente de cuidar de si. Hoje o acesso a informação é maior e os novos adeptos encontram mais freqüentemente outros referenciais de hip-hop sem militância, ou seja, sem uma luta articulada pela transformação social. Mas não significa que os núcleos ativistas não existam, a questão é que muitos deles se mantém firmes com estrutura diferente. Onde? Na Boca do Rio, Vasco da Gama, Cabula, Sussuarana e Pelourinho por exemplo
Olha Onde a Favela Chegou- Atualmente a estética Hip Hop está em quase tudo que se vê, desde propagandas de esporte, refrigerantes, novelas e etc. Como você ver essa exposição desenfreada do Hip Hop?

Preto Du- Acho legal ver que algo que saiu dos guetos chegou tão longe. Por mais que esteja sendo usado agora pelo “opressor”, entendo que seja valido pro Hip Hop esse reconhecimento. Não acredito que o Hip Hop corra o risco de virar moda por isso. Nós somos muito mais forte do que se pensa.
Jorge à Vejo como inevitável. Cabe a quem quiser no Hip-Hop saber tirar proveito.

Olha Onde a Favela Chegou- Sobre a Campanha Nacional “Cadê o Cachê?”, a qual deu origem a uma da músicas que compõe o repertório do disco, houve uma adesão nacional. A Simples Rap´ortagem resolveu dizer “NÃO” para alguns “convites” para se apresentar em eventos sem a devida valorização que o artista deve ter. Atualmente como está a campanha?

Preto Du- Eu entendo que o principal objetivo do movimento Cadê o Cachê seja não deixarmos que ninguém nos explore. Se queremos viver de Rap, temos que nos valorizar e entender que o palco é nosso trabalho. É de lá que eu quero comprar minha casa, constituir família e “ a postura em dizer não é pra artista que se valoriza”... Isso não quer dizer que não tocamos nunca de graça. Mas não aceitamos ser tratados diferente de nenhum artista e nem ser explorado por nenhum empresário.

Jorge-  Como diz outro trecho da letra: “Seja cantando, dançando ou encenando, em cima do palco “tamo” trabalhando”. Cumprimos o papel de chamar a atenção nacional para essa questão. Artistas dos mais diferentes seguimentos aderiram espontaneamente a idéia e fizeram do Manifesto Cadê o Cachê uma pratica. Desde 2009 temos imagens da galera de Natal, Recife e Brasília falando do resultado que a Campanha gerou, porém até hoje não conseguimos editar por conta do formato da gravação em pal-m. A semente subversiva foi lançada, não tem mais volta. Enquanto existirem artistas no país inteiro dizendo NÃO aos convites sem cachê a Campanha estará em movimento. O foco atualmente da banda está na promoção do novo álbum “Em Primeira Mão”, mas pensamos num outro momento voltar a promover a marca da Campanha através das roupas. Quem quiser saber mais sobre a Campanha, inclusive ouvir a música Cadê o Cachê, pode acessar: http://www.simplesrap.com/2010/09/campanha-nacional-cade-o-cache_02.html

Olha Onde a Favela Chegou- Sabemos que aqui na Bahia temos bons grupos de rap, mas ainda falta alguma coisa para ganharmos mais visibilidade no cenário nacional. Além da internet, vocês acreditam em também fazer parcerias com artistas de outras regiões para melhor difundir os trabalhos de grupos locais é uma outra opção?

Preto Du-  Como já falei, penso que uma das culpadas pela nossa falta de visibilidade é nossa desunião. Outra culpada é a falta de interesse de alguns grupos pelo profissionalismo. Porém concordo sim que seja muito valido essa parceria não só com artistas de outras regiões mas também com artistas de outros seguimentos musicais. Isso nos traz visibilidade e nos soma muito artisticamente.

Jorge-  A importância da internet é um fato e sobre a parceria com artistas de fora é uma alternativa boa, mas acho importante se ligar nos limites pra não correr o risco de viver na sombra alheia. Por exemplo, para nosso show de lançamento do álbum tínhamos a possibilidade de trazer um artista de peso da cena nacional, mas decidimos que não, pois era momento de focar a atenção no grupo. A festa foi linda e quem foi ao evento foi conferir o trabalho da gente e de quebra assistiu dois artistas locais que admiramos, Afro Jhow e Lucas Kintê, fazendo a platéia repetir: “Digam Simples!”. Fizemos um vídeo promo com os melhores momentos desse show: http://www.youtube.com/watch?v=Ii9CjTKB8uc Entre a luz de um vaga-lume e a da lua, preferimos a do vaga-lume, que embora menos bela que a da lua, tem luz própria e não refletida do outro.

Olha Onde a Favela Chegou- Moramos em Salvador e vocês fazem música, é até difícil não fazer essa pergunta para vocês. Vocês são a favor do rap no carnaval dentro dos circuitos tradicionais, ou defende um circuito paralelo tomando como exemplo o Palco do Rock?

Preto Du- Essa pergunta me deixa a vontade para antes de respondê-la afirmar aqui que sou extremamente contra as cordas no carnaval. Mas respondendo a pergunta, sou a favor sim do rap no carnaval nos circuitos tradicionais. Tem que ter espaço para todos e o rap sim viria a somar no carnaval e torná-lo mais democrático. Sou a favor de projetos paralelos também pra quem quer curtir o carnaval de maneira mais alternativa. Tudo é valido.

Jorge- É como Preto Du falou, tudo é válido. Mas como falei certa vez numa outra entrevista, talvez mais interessante que estar em cima do trio seja ter um Palco do Hip-Hop e da Música Eletrônica como houve no carnaval de 2007 na Praça da Sé. Uma boa experiência.

Olha Onde a Favela Chegou- Percebe-se pela sonoridade da Simples Rap´ortagem que o gosto músical da banda é bem eclético. Mas o que vocês têm escutado ultimamente?

Preto Du- Sempre fui muito eclético. Sempre escutei muito Legião Urbana, Bob Marley, O Rappa, Titãs, Planet Hemp, Chico Buarque, Edson Gomes, tudo de rap... Uma infinitude musical. Hoje no rap eu tenho ouvido muito o Emicida, Pentagono, Black Alien, Clã Nordestino, Flora Matos, Afro Jhow, Criolo Doido, Rapadura... Não me canso de ouvir rap.

Jorge-  Sou um ignorante musical, quase não escuto música, sempre fui assim. Ouço alguma coisa quando estou dirigindo, mas prefiro as rádios de notícias. Ouço algo quando chega até a mim, mas não como hábito. Tem muita música boa rolando mas não tenho o costume de ficar escutando. Preciso me antenar mais. De certa forma acho que essa “ignorância” acaba ajudando a criar coisas diferentes e loucas pro nosso som. Não há coisa mais gostosa que ouvir o que escutamos constantemente de pessoas desconhecidas: “não gostava de rap até conhecer o som do Simples Rap’ortagem”.

Olha Onde a Favela Chegou- Como foi o processo de criação do álbum “Em Primeira Mão”, e como foi que rolou a parceria com o DJ Erry G e as participações do disco?

Preto Du- O álbum tem composições minhas e de Jorge com criações musicais de Mc Rapadura, Dj Bandido e Dj Erry G. O cd contém algumas músicas mais antigas de Jorge como Deus Zé Mais* e Cadê o Cachê?* Até músicas que foram finalizadas já no estúdio. Nesse trabalho os ouvintes vão poder encontrar muita contestação social de maneira bem humorada e criativa, músicas bem nervosas como Não me Subestimem* e Denegrida e músicas pra relaxar e cair na pista de dança como Deixa Leve*, Samba de Roda*, Um role* e Eu quero* e sempre sem perder o envolvimento com nossas raízes nordestinas e baianas. O cd foi todo produzido em São Paulo, gravado e mixado por Vander Carneiro no Atelierstudios. Vander Produz CDs de rap a muito tempo e já passaram pelo seu estúdio grupos como Racionais Mc’s, MV Bill, Pentágono, RZO, Emicida, Z’africa Brasil, entre outros. Foi masterizado por Luciano Vassão no estúdio Master Final. Foi muito difícil gravar esse cd pois, foi uma produção completamente independente e lá em Sampa nos deparamos com vários obstáculos, mas que no final das contas tudo deu certo e estamos muito felizes com o resultado desse trabalho tão suado.

Jorge-  Sobre as parcerias, para a música Oxente pensamos nos artistas de peso da cena nordestina e tivemos que ser seletivo para não deixar o rap grande. RAPadura (CE) já tava na produção do beat, daí acertamos com Kalyne (PB), Zé Brown (PE) e Preto Nando (MA) escreverem suas partes em oito rimas cada. Mandamos a base por email e recebemos por email a parte de cada um gravada com voz guia em sua própria cidade. Depois levamos tudo para mix em São Paulo. O som ta louco! DJ Erry-G (SP) é amigo das antigas, nos conhecemos por conta da Zulu Nation que ele também é membro. Colaborou em todo o processo. Como tenho proximidade com o Gaspar (SP) fizemos o convite a ele por telefone e em Sampa pudemos amadurecer a idéia pessoalmente convidando o Funk Buia (SP) também. A música Hiena Mazoqui ficou perfeita (Veja o democlipe). Para a música Samba de Roda, Zinho Trindade (SP) foi uma ótima sugestão de DJ Erry-G. Passamos por email a letra, indicamos uma estrofe e ele teve toda liberdade pra criar uma harmonia própria de cantar, dando um ritmo ótimo pra faixa. O gaitista Peu (SP) conhecemos no Sarau do Binho tocando blues com a gaita, na hora tive o saque de convidá-lo para fazer um solo de fundo para a música Corte o Mal pela Raiz (veja o clipe), faz um tempo que percebemos que seria mais interessante interpretá-la recitando ao invés de cantá-la. Acertamos mais uma vez. Todo esse processo lá em Sampa pode ser conferido no vídeo Making Of: http://www.youtube.com/watch?v=IMyD8XZnyE8

Olha Onde a Favela Chegou- Jorge, você já tinha nos falado em uma outra oportunidade que está escrevendo um livro, do que fala o livro de Jorge Hilton, ele é biográfico?

Jorge- Sim, é biográfico porém um pouco mais que isso. Através de minha trajetória falo da história do Movimento Baiano, de desafios e superação, da cena em diferentes municípios, apresento conceitos próprios que considero relevante para se evitar erros rotineiros. Abordo a relação do hip-hop com temáticas como aborto, drogas, gênero, raça/etnia, religiosidade, política partidária, meio ambiente. Trago passagens que considero curiosas envolvendo os músicos Tom Zé, Daniela Mercury, Vânia Abreu e Gil Melândia. O livro é uma RAPortagem aprofundada e de fácil leitura sobre tudo isso baseada em minha vivência.

Olha Onde a Favela Chegou- Além do livro de Jorge e o recém lançado disco do grupo, quais são os próximos projetos da Simples Rap´ortagem?

Preto Du- Trabalhar muito para fazer com que nosso trabalho chegue ao maior número de ouvidos possíveis e que nossa música faça parte da vida das pessoas que ouvirem a gente como muitas músicas fazem parte das nossas vidas. Pra esse segundo semestre de 2011 a galera pode esperar que já vem mais shows da Simples por aí e provavelmente com surpresas muito interessantes pra Salvador mas que ainda não vamos revelar até que seja uma certeza. Fora isso tudo já temos composições prontas pra mais dois discos e pretendemos já apresentar algumas no decorrer do tempo.
Jorge à O resto é segredo de estado (risos).


Olha Onde a Favela Chegou- Preto Du, a faixa “Denegrida” é uma resposta a algum tipo de discriminação que você sofreu em algum momento dentro do Hip Hop?

Preto Du-  De maneira nenhuma. Denegrida é uma explicação de o porque do meu nome ser Preto Du e uma reflexão sobre o que é branquitude. Eu como branco admito que existe uma desigualdade racial gritante sim no nosso país e no mundo, admito que tenho privilégios por ter a pele clara mas sempre me opondo a isso tudo. É uma musica que foi feita pros brancos e negros que acreditam que não exista racismo no Brasil e não percebem o quanto o individuo branco é privilegiado apenas por ser branco. É uma tentativa de conscientizar sobre essa questão. No final da música a gente fala que nem todo branco é inimigo, justamente pra dizer que eu (branco) sou contra o racismo.

Olha Onde a Favela Chegou- Qual foi a importância do Hip Hop, Movimento Negro e outras entidades nessa luta em prol do sistema de cotas nas Universidades Públicas?

Preto Du-  Na minha opinião as cotas nas universidades públicas é uma vitória do Movimento Hip Hop, do Movimento Negro e de todos os movimentos de seguimentos semelhantes. Denunciar a discriminação racial e mostrar o quanto ela era nociva foi importantíssimo para essa vitória e para manter essa vitória. E isso o Hip Hop e o Movimento negro fazem muito bem. Mas claro que a denuncia foi muito pouco comparado com tudo que o Hip Hop e o MNU fizeram pra obtermos essa conquista. Foi preciso muito suor e muito sangue de cada militante.

Jorge-  Em todo país, sem movimento negro não haveria ações afirmativas nas universidades. Na Bahia, o Hip-Hop contribuiu em momentos pontuais. Dentro da UFBA o SimplesRap deixou sua marca através da gravação e lançamento do CD Quadro Negro, que se tornou referência nacional como parte do programa de ações afirmativas desta universidade. Do CD foi desenvolvido um importante projeto que ganhou ampla repercussão e até hoje é citado numa infinidade de artigos, dissertações etc. Pra quem quiser saber mais, inclusive ouvir e baixar a música Quadro Negro: http://www.simplesrap.com/2010/07/projeto-quadro-negro.html , Só para se ter dimensão de como até hoje repercuti, dia 30/08/2011 estarei no Instituto Steve Biko a convite, para bater um papo com uma nova turma sobre essa música. Semana passada uma ativista conhecida como Michele Paixão, da organização GAPECC

Olha Onde a Favela Chegou- No que diz respeito a essa pequena reparação histórica/social, mas que também foi uma grande conquista do povo negro, ainda existem pessoas que são contrárias a elas (sistema de cotas). Qual a opinião de vocês sobre o assunto?

Preto Du- O que mais vejo são pessoas contrárias ao sistema de cotas, e sem querer desrespeitar a opinião de ninguém, eu creio que essa contrariedade seja por conta de uma possível ignorância sociológica e histórica de quem é contra. E é claro que o racismo reforça muito essa resistência a qualquer política de ações afirmativas em prol do negro no nosso país. Fico nervoso com a ignorância estampada nos argumentos da maioria das pessoas que são contra as cotas nas universidades.

Jorge- Infelizmente muita gente não consegue perceber que a igualdade as vezes pode ser injusta. Imagine um cara que tem que pagar pensão para duas famílias diferentes, só que em uma ele tem cinco filhos e na outra apenas um. Resolve que igualmente dará por mês R$ 1.000 pra cada família sem levar em consideração que existe diferença. O princípio da equidade vem para corrigir isso, determinando que para situações desiguais deva haver um tratamento diferenciado senão a injustiça permanece. Cotas se baseiam no princípio da equidade. Vou transcrever em primeira mão um trecho do meu livro onde falo sobre o assunto:
“Certa vez num debate sobre ações afirmativas um jovem comentou: “eu não sou contra as cotas para negros, mas acho que deveria ter cotas para as mulheres e para outros grupos que também são discriminados”. Daí perguntei: “e se eu te disser que algumas dessas cotas já existem, a que conclusão você chega?”. Ele disse não saber. Desde 1997 que existem cotas para as mulheres nos partidos políticos, Lei Federal n. 9504/97 que estabelece reserva mínima de 30% de candidaturas femininas. Nos Ministérios da Justiça e Reforma Agrária, por exemplo, uma lei estabelece cotas de 20% para mulheres e 5% para pessoas com deficiência na contratação de novos funcionários.  As leis 8.112/90 e 8.213/91 prevê cotas de até 20% para pessoas com deficiência no mercado de trabalho. A Lei de Aprendizagem n° 10.097/2000 reserva cotas de até 15% na contratação e formação técnico-profissional de jovens entre 14 e 24 anos. Além disso, pelo país já existem cotas para egressos dos sistemas prisionais em concurso público, cotas respeitando procedência regional para estudantes do interior em universidades. O exemplo mais clássico de cotas em nosso país veio da elite e não se constituía em ação afirmativa, mas sim em privilégio. A chamada Lei do Boi n° 5.465/68 reservava até 50% de cotas para filho de latifundiários ingressarem sem vestibular nas Faculdades de Agronomia, Veterinária e Engenharia Agrícola. Na época o que havia era exame de admissão. Se a reserva de vagas ferisse o princípio de que todos são iguais perante a lei, deveria se extinguir imediatamente das autoridades políticas o foro privilegiado e cela especial pra quem é universitário.”

Olha Onde a Favela Chegou- Então parceiros … façam suas considerações finais, mande um salve pra quem vocês quiserem e deixem os contatos da Simples Rap para quem curte o trabalho de vocês e quiser adquirir o CD.

Preto Du-  Foi uma Honra participar dessa entrevista aqui no “Olha Onde a Favela Chegou”, admiro muito mesmo o trabalho de vocês e espero que sempre estejamos juntos nessa luta. Gostaria sim de mandar um salve pro nosso parceiro Binho Abede que sempre nos ajuda muito e ta sempre com a gente. Um salve parceiros. Paulo e Léo, muito obrigado por tudo e muito Axé pra vocês. 


Jorge-  Paulo, você é um cara que merece toda consideração e respeito. Tem o jeito simples de ser, sempre produzindo e contribuindo do seu modo. Agradecemos o convite e desejamos axé pra caminhada de todos que colaboram com esse trampo. Para os que curtem o SimplesRap, tamo junto. Para quem deseja adquirir nosso CD, acertar shows ou manter qualquer outro contato com a banda, basta acessar: www.simplesrap.com



2 comentários:

  1. interesante e construtivo e emtrevista , entretantato . queria em dorça um comentario referente a desuniao que foi sitada ..essa citada nao e so entre grupos, si da na falta de compromisso,com a causa , asim sem bajulaçao posso sitar o simples o ensino basico e bem poucos que atuam na militancia social muitos madinhas estao preucupado em ascensao e nao com a sucesao me alegrei muito quando vi surgi o grupo nova saga camposto pela mulecada asim cade as oficinas as reuninhos que avia no passeio pulbrico as entervesoes socio cultural , espero que nao seja mal" enterpetrado"mas temos no hiphop baiano se nao total parsialmente capitalista.

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  2. A titulo de informação, o Ensino Básico voltou com o nome Leões do Rap! E continua forte na militância com nossa principal arma, o Hip-Hop.

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